sábado, 5 de setembro de 2009

As Ave-Marias

No fértil e opulento feudo Santa Maria, o dia que despertara parecia convidativo. O cheiro de relva molhada embrasava o coração apaixonado de Carmela que, sentada ao piano, sonhava com trovas de amor...A chegada inesperada de uma homem, com estatura e fisionomia nobres a fez levantar em um salto, para abraçá-lo e com voz estridente bradou:
- Bom dia, papai!
Este, com um afago, apertou-a contra o peito proferindo-lhe a bênção. Era Virgílio, o susserano-mor daquela localidade, casado em primeiras núpcias com Maria José, mulher de aparência simples e sorriso encantador, que o fez enlouquecer de amor, quando chorava ao som da lira de suas trovas.
Ao longe, ouvia-se o repicar dos sinos do mosteiro de São Bento. Virgílio inquietou-se. Depressa - bradou - é hora das ave -Marias...
Maria José e a filha vestiram cada qual o seu véu, tomaram consigo o rosário e o devocionário de São Bento "Ora et Labora" e seguiram na bela carruagem, guiada por dois exuberantes corsários.
Apearam ao pé da escada, imediatamente recebidos pelo Pe. Amaro, o capelão do mosteiro. O coração de Carmela batia mais forte... Seria o amor a Deus e à Igreja? Não... iria se encontrar com Joaquim, um mero sacristão, filho de camponeses, inúteis vassalos de seu pai.
Ao terminarem a reza, Carmela aproveitou uma distração de seus pais para acorrer-se ao tabernáculo, a fim de encontrar-se com Joaquim. Mas logo foi barrada pela voz forte de seu pai:
- Carmela, sua mãe, eu e Padre Amaro esperamos por você na sacristia.
Carmela, submisssa, enche os olhos ao avistar Joaquim que, zeloso, apagava as velas; porém se volta, tomando rumo da sacristia.
Chegando lá, depara-se com o olhar severo do reverendo, que a esperava.
- Minha filha, Madre Maria de Gonzaga lhe aguarda no próximo mês, no Carmelo.
Maria José desabou em choro, agarrada às contas de seu rosário.
- Mas e Joaquim?! - Carmela desconcertada não percebera a bobagem que acabara de dizer e tenta consertar:
- Mas Joaquim e Santa Ana, valha-me Deus!
Virgílio afirmou, irredutível:
- É a vontade divina!
Uma freira... Era essa a vontade de seu pai, uma filha carmelita, como Terezinha de Lisieux.Carmela, sem escolha, como voa o tempo, ruma com os pais ao Carmelo quando um grande tremor abala a carruagem que os conduz. Era Joaquim, que montado em um cavalo alado arrebata Carmela ao átrio paterno e seguem em direção à felicidade.
Rafael Teruel.

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